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terça-feira, setembro 26, 2006

Quando o amor bate as botas

(letra e música Cláudia Éfe)
Filas, gente, automóveis
trânsito, dilemas
guia rex para os pensamentos
um café sem pressa no odeon
preciso ver o filme de outra maneira.
viro a alma pelo avesso
sacudo o fundo estagnado
lavo roupas, estendo no varal
vou deixando ao vento a sua presença
em outros trajetos eu vou voltar pra mim.
dias contam horas num duelo de relógios
arde o tempo passar
queimo meus relatos nessa chama
mares, tempestades tudo é ritual.
o claro também tem seu ritmo:
taquicardia, síncope, delito
a alma também pode ser vadia
meu coração um eterno carnaval
(preciso ver o filme...)

quarta-feira, setembro 20, 2006

GUILHERME MANDARO

não conto das ocorrências
dos fragmentos
do trio elétrico
dos vapores em que andei
te dou o mapa colorido da capa do caderno
o brinco de metal
o termômetro que marcava minha febre
minha febre
o laço que prendia meu cabelo

GUILHERME MANDARO

Que não seja o medo da loucura
que nos obrigue a baixar
a bandeira da imaginação.

domingo, setembro 17, 2006

Cantares de Perda e Predileção

Hilda Hilst


Eu amo Aquele que caminha
Antes do meu passo
É Deus e resiste.

Eu amo a minha morada
A Terra triste.
É sofrida e finita
E sobrevive.

Eu amo o Homem-luz
Que há em mim.
É poeira e paixão
E acredita.
Amo-te, meu ódio-amor
Animal-Vida.
És caça e perseguidor
E recriaste a Poesia
Na minha Casa.
(XXIII)

* * *

Vida da minha alma:
Um dia nossas sombras
Serão lagos, águas
Beirando antiqüíssimos telhados.
De argila e luz
Fosforescentes, magos,
Um tempo no depois
Seremos um só corpo adolescente.
Eu estarei em ti
Transfixiada. Em mim
Teu corpo. Duas almas
Nômades, perenes
Texturadas de mútua sedução.
(LXVII)

(Cantares de Perda e Predileção - São Paulo: Massao Ohno & M. Lydia Pires e Albuquerque Editores, 1983)

O Poeta Inventa Viagem, Retorno e Morre de Saudade


Hilda Hilst



Se for possível, manda-me dizer:
- É lua cheia. A casa está vazia -
Manda-me dizer, e o paraíso
Há de ficar mais perto, e mais recente
Me há de parecer teu rosto incerto.
Manda-me buscar se tens o dia
Tão longo como a noite. Se é verdade
Que sem mim só vês monotonia.
E se te lembras do brilho das marés
De alguns peixes rosados
Numas águas
E dos meus pés molhados, manda-me dizer:
- É lua nova -
E revestida de luz te volto a ver.


(Júbilo Memória Noviciado da Paixão(1974) - O Poeta Inventa Viagem, Retorno e Morre de Saudade - I )
(Poesia: 1959 - 1979 - São Paulo: Quíron; [Brasília]: INL, 1980.)

DO DESEJO


Hilda Hilst

E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.

(Do Desejo - 1992)

MANOEL DE BARROS

Havia um muro alto entre nossas casas.
Difícil de mandar recado para ela.
Não havia e-mail.
O pai era uma onça.
A gente amarrava o bilhete numa pedra presa por um cordão
E pinchava a pedra no quintal da casa dela.
Se a namorada respondesse pela mesma pedra
Era uma glória!
Mas por vezes o bilhete enganchava nos galhos da goiabeira
E então era agonia.
No tempo do onça era assim.


Texto extraído do livro "Tratado geral das grandezas do ínfimo", Editora Record - Rio de Janeiro, 2001, pág. 17.

quarta-feira, setembro 13, 2006

Relógio

Oswald de Andrade

As coisas vão
As coisas vêm
As coisas vão
As coisas
Vão e vêm
Não em vão
As horas
Vão e vêm
Não em vão

terça-feira, setembro 12, 2006

palavra de Pagu

"Em reportagem à revista Para Todos... (“Na exposição de Tarsila”), Clóvis de Gusmão publica uma breve entrevista de Pagú:

“Pagú veio ao Rio com Tarsila (...) a gente quando vê Pagú repete pra dentro aquilo que o Bopp escreveu: - dói – porque é bom de fazer doer!

- Que é que você pensa, Pagú, da antropofagia?
- Eu não penso: eu gosto.

- Tem algum livro a publicar?
- Tenho: a não publicar: os “60 poemas censurados” que eu dediquei ao Dr. Fenolino Amado, diretor da censura cinematográfica. E o Álbum de Pagú – vida paixão e morte – em mãos de Tarsila, que é quem toma conta dele. As ilustrações dos poemas são também feitas por mim.

- Quais as suas admirações?
- Tarsila, Padre Cícero, Lampeão e Oswald. Com Tarsila fico romântica. Dou por ela a última gota do meu sangue. Como artista só admiro a superioridade dela.

(...)

(Informações: - Pagú é a criatura mais bonita do mundo – depois de Tarsila, diz ela. Olhos verdes. Cabelos castanhos. 18 anos. E uma voz que só mesmo a gente ouvindo).”

Geraldo, ela é INFINITOS

“Deu-se esta semana uma baixa nas fileiras de um agrupamento de raros combatentes. Ausência desde 12 de dezembro de 1962, que pede seu registro do companheiro humilde, que assina estas linhas. Patrícia Galvão morreu neste dia de primavera, nessa quarta-feira, às 16 horas (...) Morreu aqui em Santos, a cidade que mais amava, na casa dos seus, entre a Irmã e a Mãe que a acompanhavam, naquele momento e, felizmente, em poucos minutos, apenas sufocada pelo colapso que a impedia de respirar, pela última palavra que pedia ainda liberdade, ‘desabotoa-me esta gola’”.

Geraldo Ferraz, A Tribuna, 16/12/1962

Pagu está no Rio de Janeiro

Jackson Pollock

sobre águas

Cláudia Éfe

eu queria agora um mar imenso
diante de mim
um mar solar
e uma lua esparramada
daquelas que nos
ilumina
o ventre
que nos dilata narinas
com a fartura do silêncio
com o imenso som do vento
eis o infinito

segunda-feira, setembro 11, 2006

sábado, setembro 02, 2006

Paulo Leminski


foto: Arquivo Google (s/referência autor)
Paulo Leminski

Uma poesia ártica,
claro, é isso que eu desejo.
Uma prática pálida,
três versos de gelo.
Uma frase-superfície
onde vida-frase alguma
não seja mais possível.
Frase, não, Nenhuma.
Uma lira nula,
reduzida ao puro mínimo,
um piscar do espírito,
a única coisa única.
Mas falo. E, ao falar, provoco
nuvens de equívocos
(ou enxame de monólogos?)
Sim, inverno, estamos vivos.

Fragmentos de "Bagagem"

Adélia Prado
...Cesse de uma vez meu vão desejo
de que o poema sirva a todas as fomes...
Ah, que sabedoria, como todos os outros
a quem bastou descobrir:
letras eu quero é pra pedir emprego,
agradecer favores,
escrever meu nome completo.
O mais são as mal-traçadas linhas.