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segunda-feira, setembro 29, 2008

O OLHAR QUE A PALAVRA LIBERTA

POESIA

O OLHAR QUE A PALAVRA LIBERTA
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Exercício do olhar, de Tanussi Cardoso.
Editora Fivestar, 143 pgs.
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Cacau Leal*
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Sempre que se aproxima um momento especial entre pessoas amigas ou enamoradas, a primeira coisa que vem à cabeça tem raiz milenar: um presente. Por quê? Porque o presente é uma metáfora de como um vê, sente e deseja o outro. É um ato em que a razão é vencida pelo império dos sentidos.

Há os que dão roupas, perfumes, aparelhos de barbear, celulares. Outros, em cima da hora, dão flores, caixas de bombons, vinhos. E assim o ritual continua firme e forte, sem fronteiras. Mas há uma tribo, cada vez mais rara, que gosta de ler, de tentar entender o mundo, de conhecer as diferenças dentro da união, de ver e ser visto pelo outro. Para estes, por que não um livro? Se essa for a escolha, uma ótima opção é o livro de poesias “Exercício do olhar” (Editora Fivestar), do poeta, jornalista e crítico literário Tanussi Cardoso.

Em “Exercício do olhar”, o poeta não se envereda pelo romantismo idealizado, nem constrói os seus versos sobre a areia movediça do lirismo místico, nem cai no formalismo conservador. O seu esforço é no sentido de expor o que há de mais profundo no coração do homem, sem abandonar a força da linguagem. Chega lá através da lâmina do olhar, em versos como estes, pinçados da poesia que dá título ao livro: “o olho do sonho que se recorda / o olho da memória em movimento / o olho da esperança e da utopia / o olho dos girassóis.” E mais adiante: “o olho da carne dentro da pele / o olho entre os lençóis / o olho insuportável dos limites / o olho sem algemas.” É esse olho, nos olhos de quem o lê e vê e sente, que aproxima em vez de afastar. Olhos que se namoram.

Poeta reverenciado por nomes consagrados no meio literário, como Affonso Romano de Sant’Anna, Olga Savary, Antônio Carlos Secchin, Carlos Nejar e outros mais, Tanussi Cardoso faz valer os elogios recebidos ao longo de sua trajetória. “Exercício do olhar” é uma forma de dizer que tudo está em movimento, que o mundo, as pessoas e as suas falas são um mistério diante do futuro. Essa visão das coisas ganha luz no poema “Óvulo I”, que abre o livro: “meu poema larva: que bicho se abrirá em palavras?” Não é uma dúvida, é a certeza de que algo nascerá de suas entranhas, feito de carne, ossos e sonhos. Bichos, como os da artista plástica Lygia Clark, que são objetos para serem vistos, tocados, vividos. É preciso mergulhar nos poemas para sentir na pele os múltiplos bichos que nascem da lavra poética de Tanussi.

Por querer a renovação do movimento contra o mofo da paralisia, o poeta não pára e lança o seu olhar em múltiplas direções, sem a elas se prender. Ao longo de sua trilha poética, o leitor encontra, implícita ou explicitamente, fragmentos dos universos visionários de Guimarães Rosa, Moacyr Félix, Dalton Trevisan, Raduan Nassar, Dante Alighieri... Ou, conforme os seus próprios versos: “o olho na mão de Gullar / o olho das cinco raízes / Cecília Bandeira Murilo Cabral Drummond”.

E para melhor entender a estranheza causada pela visão do que não é convencional nem imitativo, o autor recorre a uma citação do jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano, na epígrafe que abre o livro: “Estamos cegos de nós mesmos porque estamos treinados para ver-nos com olhos alheios. Por eles o espelho nos devolve uma mancha confusa e nada mais que uma mancha.”

“Exercício do olhar” foi contemplado com prefácio do poeta e crítico literário Gilberto Mendonça Teles, que coloca Tanussi Cardoso entre os grandes poetas do nosso tempo. Valeu-se nesse sentido de sua longa experiência literária – através de crítica imparcial – a fim de extrair dos poemas o que neles a construção estilística revelou em termos de técnicas e de conteúdo.

Sobre a técnica, Mendonça Teles diz: “A técnica da sintaxe nominal, ou seja, a construção de poemas sem verbos de ação dá ao poeta um poder de contenção admirável, como em “Certas respostas”, por exemplo, em que a estrutura do poema se faz anaforicamente (...). Só no final se introduzem três verbos, ‘acreditar’, ‘creio’ e ‘escrevo’, que servem de pedestal do poema, tal como era comum nos poetas medievais.”

Sobre o conteúdo, não é menos arguto: “A começar pelos títulos dos poemas, mencionem-se ‘Os olhos nos desvãos’, ‘Fotografia’, ‘Retoque no retrato’, ‘Exercício do olhar’ e ‘O olhar ao meio’. Mas, por dentro, no espaço dos textos, o pesquisador encontra imagens do olho/olhar misturadas com a de tempo, nome, cidade, Deus e metalinguagem (...).”

No poema “Exercício do olhar”, seus 61 versos recorrem à anáfora “o olho”. Apesar do uso dessa figura de linguagem – que se caracteriza pela repetição de um mesmo termo ao longo do texto – os versos não perdem a força de ação. O leitor é levado a conviver com palavras de forte impacto conteudístico e a refletir sobre as várias faces do ser no mundo. Ou como define o poema “Como se não fosse adeus”: “não quero escrever sobre paredes. paredes não sangram”.

Volto ao início: quem tem amigos pro que der e vier ou pessoas queridas, é hora de exercitar os sentidos, demonstrando, metaforicamente, os laços que unem corpos e mentes durante a vida. Sem dúvida nenhuma as opções são muitas e as ofertas cada vez mais diversificadas. Uma boa dica talvez esteja nos versos do poema “Embriagai-vos” de Charles Baudelaire: “Tudo está aí, eis a questão. (...) Embriagai-vos sem trégua. Mas de quê? De Vinho, de virtude ou de poesia: a escolha é vossa. (...)”.

*Cacau Leal é jornalista e poeta

sexta-feira, setembro 19, 2008

ELZA SOARES É TUDO

Foto: arquivo Google, s/ref.autor



DURA NA QUEDA

Chico Buarque




Perdida
Na avenida
Canta seu enredo
Fora do carnaval
Perdeu a saia
Perdeu o emprego
Desfila natural

Esquinas
Mil buzinas
Imagina orquestras
Samba no chafariz
Viva a folia
A dor não presta
Felicidade, sim

O sol ensolarará a estrada dela
A lua alumiará o mar
A vida é bela
O sol, a estrada amarela
E as ondas, as ondas, as ondas, as ondas

O sol ensolarará a estrada dela
A lua alumiará o mar
A vida é bela
O sol, a estrada amarela
E as ondas, as ondas, as ondas, as ondas

Bambeia
Cambaleia
É dura na queda
Custa a cair em si
Largou família
Bebeu veneno
E vai morrer de rir

Vagueia
Devaneia
Já apanhou à beça
Mas para quem sabe olhar
A flor também é
Ferida aberta
E não se vê chorar

O sol ensolarará a estrada dela
A lua alumiará o mar
A vida é bela
O sol,a estrada amarela
E as ondas, as ondas, as ondas, as ondas

O sol ensolarará a estrada dela
A lua alumiará o mar
A vida é bela
O sol,a estrada amarela
E as ondas, as ondas, as ondas, as ondas

domingo, setembro 14, 2008

Inacabado

Cláudia Efe



É noite
e você sente, quando tudo conspira.
Há um lugar possível entre as coisas
há um qualquer
tempo e espaço em déjà vu
Eu não sei quando foi
não sei o que foi
(pra dizer a impossível verdade,
eu não sei de nada)
mas tudo está ali
entre o improvável
e a forma,
feito coisa.

quinta-feira, setembro 11, 2008

Do livro das pequenas mágicas

Cláudia Efe

Onde o fóssil
estreito hábil
caverna feito verbo?
Onde largo, relógio
tangente, frágil
pequeno aflito que nos une?
Lugar de alquimia, desespero
ou miragem?
O que é quem em nós, além?
Quem de nós, em nós
nos ousa Milagres?

quinta-feira, setembro 04, 2008

Passamento

Cláudia Efe


Quem em mim o que dorme

A alma que acorde?