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sexta-feira, outubro 31, 2008

Cigarro

Zeca Baleiro


A solidão é meu cigarro
Não sei de nada e não sou de ninguém
Eu entro no meu carro e corro
Corro demais só pra te ver meu bem
Um vinho, um travo amargo e morro
Eu sigo só porque é o que me convém
Minha canção é meu socorro
Se o mar virar sertão, o que é que tem?
Dias vão, dias vem, uns em vão, outros nem...
Quem saberá a cura do meu coração senão eu?
Não creio em santos e poetas
Perguntei tanto e ninguém nunca respondeu
Melhor é dar razão a quem perdoa
Melhor é dar perdão a quem perdeu
O amor é pedra no abismo
A meio passo entre o mal e o bem
Com meus botões a noite cismo
Pra que os trilhos, se não passa o trem?
Os mortos sabem mais que os vivos
Sabem o gosto que a morte tem
Pra rir tem todos os motivos
Os seus segredos vão contar a quem?
Dias vão, dias vem, uns em vão, outros nem
Quem saberá a cura do meu coração senão eu?
Não creio em santos e poetas
Perguntei tanto e ninguém nunca respondeu
Melhor é dar razão a quem perdoa
Melhor é dar perdão a quem perdeu.

segunda-feira, outubro 27, 2008

Como eu sou ignorante


Cláudia Ferrari

Em 1989, não se deveria votar no Lula porque, entre outras "pérolas", ele não saberia resolver uma equação de segundo grau.
Em 2008, não se deveria votar no Gabeira porque, entre outras, ele é da Zona Sul, intelectual demais (sic), da elite e blá, blá, blá. É o mesmo preconceito, aquele que não abrimos mão. Aquele entranhado, aquele ranço de sociedade putrefata.

Tudo é tão tosco e, pior, alicerçado pela mídia. Que vergonha as manchetes de hoje estampadas em alguns jornais. A isenção desceu pelos ralos das universidades de Comunicação, foi poluir a Guanabara.

Sempre votei no Lula e ontem, votei no Gabeira.

Nada contra nem a favor do Paes, que não conheço. Mas sou Gabeira, pela trajetória ética que, no mínimo, deve servir como espelho de dignidade para a maioria dos que com isso se importam, esteio.
Quanto a Paes, tomara, de coração, que você faça um governo como o Rio de Janeiro jamais viu, como todos nós merecemos.

Parabéns pela vitória e que eu possa, num futuro breve, me orgulhar de ter você como prefeito de uma cidade que merece ser maravilhosa.

Cachorro doido


Zeca Baleiro



Essa é a noite do cachorro doido
Fina fera, magro bicho
Olho duro, espessa baba
Latindo pra lua o seu capricho
Essa é a noite do poeta torto
Flor de Lotus na sarjeta
Sem lua, musa ou Deus que o guarde
Pulando a janela do contexto
Só a noite é que sabe que a vida não tem jeito
Que pro escuro de um poema
Qualquer ganido é bom pretexto
Qualquer ganido é bom pretexto
Qualquer ganido é bom.

"Posso perder minha mulher, minha mãe
desde que eu tenha o meu Rock'n'Roll"

By Giuvannucci e K-Brito

segunda-feira, outubro 13, 2008

ASPECTOS

Cláudia Ferrari



Sabor de linhaça
no primeiro suco
som agudo de vento
em folhas imaginárias.
O que são as memórias?
Um punhado de coisas que pegamos com as mãos?
Quem estava ali, quem estará adiante
em mim e no outro?
Também sou um lance de dados
Um balé solto de cartas no espaço
Sou o tempo
largo, generoso, Divino
com o olhar intacto
da vida que acontece
e da outra que me escapa.

quarta-feira, outubro 08, 2008

ESCREVER, HUMILDADE, TÉCNICA

Clarice Lispector


Essa incapacidade de atingir, de entender, é que faz com que eu, por instinto de... de quê? procure um modo de falar que me leve mais depressa ao entendimento. Esse modo, esse "estilo" (!), já foi chamado de várias coisas, mas não do que realmente e apenas é: uma procura humilde. Nunca tive um só problema de expressão, meu problema é muito mais grave: é o de concepção. Quando falo em "humildade" refiro-me à humildade no sentido cristão (como ideal a poder ser alcançado ou não); refiro-me à humildade que vem da plena consciência de se ser realmente incapaz. E refiro-me à humildade como técnica. Virgem Maria, até eu mesma me assustei com minha falta de pudor; mas é que não é. Humildade com técnica é o seguinte: só se aproximando com humildade da coisa é que ela não escapa totalmente. Descobri este tipo de humildade, o que não deixa de ser uma forma engraçada de orgulho. Orgulho não é pecado, pelo menos não grave: orgulho é coisa infantil em que se cai como se cai em gulodice. Só que orgulho tem a enorme desvantagem de ser um erro grave, com todo o atraso que erro dá à vida, faz perder muito tempo.


Texto extraído do livro "A Descoberta do Mundo", Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1999.