Oscar Quiroga
Data estelar: Plutão, o anão invocado, se alinha com o centro da Galáxia. Lua continua crescendo em Touro.
Enquanto isso, aqui na nave Terra tudo vai muito além do que nossa humanidade alguma vez se atreveu a imaginar, pelo que se torna propício abdicar de tradições e padrões preestabelecidos, abrindo os braços para a chegada de uma dimensão muito maior de experiência. Esse mundo cultural nosso, conservador pela sua própria natureza, não está devidamente preparado para a transfiguração, e de sua resistência resulta o sofrimento. Por isso, não se deve confundir esse sofrimento com a natureza do momento atual, pois o alinhamento de Plutão com a Galáxia, que marca o início de ano galáctico, vem para libertar, e sofre tudo o que em nosso mundo teime em andar no sentido contrário, o que não é pouco, pois virtualmente tudo se submete ao confinamento.
Diário de Bordo
30 de dezembro de 2006.
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sábado, dezembro 30, 2006
sexta-feira, dezembro 29, 2006
quinta-feira, dezembro 28, 2006
Plutão, o anão invocado
Oscar Quiroga
Data estelar: Plutão inicia seu alinhamento com o centro da Galáxia, Lua é quarto crescente em Áries.
Enquanto isso, aqui na nave Terra nossa humanidade comprovará que, a despeito das denominações cozinhadas em obscuras reuniões acadêmicas, Plutão demonstrará que não apenas é um planeta, mas que, mesmo sendo chamado de anão, se manifesta como um baixinho invocado. Quanta vaidade se acumula no coração de nossa humanidade! E quanta dor e miséria se disseminam por causa dessa! 2007 é o ano galáctico de construção de nossa cultura, onde se decide a orientação por uma estrela maior, bem maior da que foi imaginada até agora. Nossa humanidade vê a sua folga diminuída dramaticamente, pelo que não é de se admirar o sentimento de desespero que circula silenciosamente por aí. É hora de se fazer o melhor com o que de pior estiver acontecendo. Menos queixas e mais espírito!
dezembro 2006
quarta-feira, dezembro 27, 2006
ainda sobre águas
das intensidades
Cláudia F.
você até pede às nuvens
para que não chova
mas você não pede
pra chuva deixar de ser chuva
você até pede às nuvens
para que não chova
mas você não pede
pra chuva deixar de ser chuva
sexta-feira, dezembro 22, 2006
CRISTINA DA COSTA PEREIRA
por Cláudia Ferrari
A escritora Cristina da Costa Pereira tem 56 anos. Carioca do bairro do Méier, graduada em Português e Literaturas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, lecionou durante dez anos. Além de professora, Cristina reúne em seu extenso curriculum, as profissões de produtora cultural e copidesque, entre outras.
Seu fôlego, parece incansável. Em entrevista exclusiva, Cristina relata sua vivência como mulher, militante cultural e escritora. Começou a escrever poemas na adolescência, ainda estudante, mas a retomada que lhe abriu as portas para a profissionalização, só aconteceu em 1984, quando escreveu o seu primeiro livro, “Povo Cigano”, publicado no ano seguinte.
Atualmente, a escritora tem nove títulos editados. Destacam-se os Ensaios: “Trilogia cigana”; “A Inspiração espiritual na criação artística”, finalista do Prêmio Jabuti, na Categoria Religião, em 2000 e “Povos de Rua”, edição cultuada no meio artístico e intelectual, principalmente, do Rio de Janeiro e da Bahia, cidades retratadas pela autora.
Cristina, nos revela seu processo criativo, sua relação intrínseca com a palavra. Para a artista, inspiração e vocação são sagradas no seu dicionário. Ainda acredita em coisas simples e raras, como o convívio entre os seres humanos.
Apaixonada pelo bairro de Santa Teresa, onde residiu por 30 anos, Cristina é uma mulher, meio menina, que se mistura, que se envolve, com o Rio, sua arte e sua gente.
Cláudia Ferrari (CF) – Cristina, qual a sua formação?
Cristina da Costa Pereira (CCP) – Sou graduada em Letras, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. E fui professora de Literatura durante dez anos, na rede estadual e em inúmeros colégios particulares do Rio e sou escritora.
CF – Como você começou a escrever?
CCP – A Literatura ajudou muito porque eu sempre escrevia poesias. Na época de estudante, o chamado “poema mimeógrafo”, já existia. Mas eu não comecei, estranhamente, pela poesia, isso ficou lá, na época de estudante. Eu comecei a escrever em 1984 , publiquei o meu primeiro livro, “Povo Cigano” que é um Ensaio sobre a etnia cigana, uma minoria étnica. Começou a me vir uma idéia de escrever um conto sobre a etnia cigana. Eu não sou descendente de ciganos, eu não teria nenhuma ligação afetiva, eu não conhecia... talvez, quando eu comecei a ter a idéia desse conto eu comecei a pesquisar sobre a cultura. Eu vi que não tinha nada no Brasil, uma literatura, uma bibliografia séria sobre o tema...
CF – Que ano foi esse?
CCP – Foi 1984. Publicado em 1985, meu livro.
CF – Ainda não tinha nenhum apelo da mídia com relação a essa etnia?
CCP – Foi anterior, porque só existia um livro no Brasil, “Os ciganos do Brasil”, de 1886, de Melo Moraes Filho. E nem era vendido em livraria, estava na Biblioteca Nacional. Foi o livro a que eu tive acesso, o resto eu tive que consultar a bibliografia de Portugal e da Espanha, as línguas onde eu conseguia ler.
Esse movimento a que você se refere já foi posterior, tanto que eu fui chamada pra ser assessora de uma novela chamada “Pedra sobre pedra” e meu livro já estava há um ano para ser editado e aí, já era o segundo livro, inclusive, já era o “Lendas e histórias ciganas”, já 1990. Terceiro livro, aliás, sobre ciganos, 1990. Aí a novela da Globo começou a me chamar pra dar uma assessoria para o “núcleo cigano”.
CF – Mas esse seu primeiro livro, ele já tinha uma editora ou você foi “produção independente” mesmo?
CCP – O primeiro, 1984, foi o único livro meu “edição do autor”.
CF – A sua relação com a mídia propiciou um impulso na sua carreira como escritora?
CCP – Bom, esse livro, talvez pelo ineditismo do tema no país, chamou a atenção.
CF – Quantos livros você tem ao todo publicados?
CCP – Publicados, nove livros.
CF – Qual o ritmo da sua produção literária?
CCP – O “Ainda é tempo de sonhos”, um livro infanto-juvenil, adotado pela rede pública de ensino, foi lançado em 1992, pela Imago. Depois disso, eu fiz um hiato na minha carreira até 1998, quando o bairro de Santa Teresa, onde eu morei de 70 a 2000, me inspirou pra eu fazer o meu primeiro livro de poesia, chamado “Revisitando o bairro de Santa Teresa e outros caminhos”. Depois, lancei outros livros de poesia, até chegar ao “A inspiração espiritual na criação artística”, em 1999, que foi finalista do Prêmio Jabuti, categoria “Religião”, e no ano 2003 eu lancei “Povos de rua”, que é um ensaio sobre a Lapa, Santa Teresa e Pelourinho, cuja musa é a rua. Então, minha Literatura, é essa aí.
CF– “Povos de rua” é um livro bastante divulgado, bastante difundido num meio artístico, intelectual, a que você atribui toda essa repercussão?
CCP - Ele é um livro cult, eu diria assim, a feitura estética, o tema é muito interessante, uma especulação sobre a rua, que não tem um viés acadêmico. O livro especula que quê é a rua e a partir daí, os segmentos que moram ou que usam a rua como fonte de inspiração. Você vê os mendigos, as prostitutas, os meninos de rua, os artistas que usam a rua como a sua fonte de inspiração. Os boêmios que estão ali na rua por outros motivos, não é isso? E também a umbanda com o seu segmento “povo de rua”. Então, o livro também tem uma coisa da religiosidade eminentemente brasileira. Então, é um livro de brasilidade, sem dúvida nenhuma, de cultura negra brasileira.
CF –Você sofreu algum preconceito pra conseguir as entrevistas para o livro, como é a sua relação com a rua?
CCP – Quem mora em Santa Teresa freqüenta um bocado as ruas de Santa Teresa e a Lapa tá logo ali. Eu tinha uma certa familiaridade com a rua. A rua não me assustava, a rua não me impressionava assim, de eu ficar observando e não me envolvendo. Eu não tinha assim, tanta dificuldade de contato não. Claro que o difícil foi eu escrever o livro. Porque todas as entrevistas, a maioria, foram feitas em bar, bebendo muita cerveja. Eu tinha que ir pra casa lembrar, escrever e tudo mais, à mão. Na Bahia, então, tudo se deu assim, não tinha gravador.
CF – Cristina, como alguém se torna um escritor?
CCP – Bom, eu acho que isso aí é uma coisa que vem com a pessoa, já tá impregnado no nosso espírito. Um escritor, veja bem, vocação, então vamos à etimologia da palavra: invocare vem do latim chamamento, vocação. Vocação vem de chamamento, chamamento interior que é a vocação. Eu acho que eu tenho a vocação como todo mundo, o artista plástico tem a vocação, o outro músico tem sua vocação, então você obedece a um chamamento. Eu obedeci a esse chamamento, de escrever, que não me garantia absolutamente nada, como hoje não garante absolutamente nada, nem do ponto de vista econômico, nem do ponto de vista de prestígio. Você simplesmente tem que obedecer a esse chamado interior e quando você se vê, você está escrevendo, envolvida com o tema tresloucadamente, que você não faz mais outra coisa da vida. Aquilo parece que toma, quer dizer, estou falando do meu processo. Porque eu só escrevo assim, quando alguma coisa... quando baixa o santo. Então, assim, vem aquele tema na minha cabeça e eu saio que nem uma louca atrás daquele tema. Até agora eu estou assim, digamos assim, sem nenhuma inspiração pra escrever mais alguma coisa por enquanto.
CF – Como é a sua relação interior com a palavra?
CCP –É claro que a Literatura, o conhecimento da Teoria Literária, dos estilos de época, os autores que eu li, que eu estudei e tudo o mais, é obvio que isso me ajudou na minha relação com a palavra, não tenha dúvida. Por outro lado, se isso tudo me ajuda, eu não deixo que me atrapalhe. Então, por exemplo, Teoria Literária me deu um instrumental pra conhecer, lidar com a palavra, lidar com as metáforas, no caso da Literatura também, mas eu não fico bitolada àquilo que eu aprendi da teoria. O meu processo é... o poema vem e eu depois vou cuidando daquilo, claro que o conhecimento ajuda por causa disso. Vou cuidando, arestando daqui, arestando dali, fazendo um trabalho com a palavra, depurando. Mas o que vem primeiro é aquela inspiração e escrevo quase que num fluxo, depois aí, pelo menos a maioria, principalmente dos poemas e também os livros são criados assim. A minha relação com a palavra é inspiracional, eu diria que é mais que isso, é devocional.
CF – Como uma mulher se torna mulher?
CCP – Olha, será? Eu acho que ainda sou criança (risos)... apesar dos 56, quase 57, eu acho que eu ainda não passo de uma adolescente. Eu não sei se... eu às vezes vejo, me flagro fazendo coisas de criança, fazendo coisas de adolescente com essa idade que eu tenho. Então eu não sei se já me tornei uma mulher.
CF – Em que você está concentrada nesse momento atual?
CCP – Eu sempre gostei de fazer coisas que levassem à reflexão, levassem ao debate e, no fundo, é pra resgatar esse convívio, que é essa palavra tão bonita mas que as pessoas perderam. A partir dos anos 90 eu comecei a idealizar e coordenar eventos culturais.
Atualmente, faço dois eventos, “Ciranda Literária”, em Santa Teresa, no Bar do Marcô e o “Conversas Casadas”, nas Casas Casadas, em Laranjeiras. São eventos que envolvem poesia, música, contos, crônicas e esquetes teatrais e pequenas palestras sobre temas interessantes.
CF – Como é a sua relação com o bairro de Santa Teresa?
CCP - Santa Teresa me deu esse convívio com essa diversidade cultural, foi o caldo cultural que me formou, afinal de contas, foi de 1970 a 2000. Quer dizer, foram 30 anos da minha existência, boa parte da minha juventude e maturidade foi estruturada aqui, convivendo com essa diversidade cultural e com esses artistas de várias modalidades. Eu tive a oportunidade de conviver com esses artistas, com esse ambiente de Santa Teresa, muito libertário, muito agradável, junta ao mesmo tempo a tradição e essa liberdade.
Santa Teresa tem toda uma, digamos assim, uma coisa de cidade do interior, apesar de também estar muito antenada com as linguagens novas, com a vanguarda, com a mistura da tradição e da vanguarda.
CF – A vida tem saída?
CCP – Eu sou uma pessoa espiritualista, eu acho que isso aqui, essa passagem que a gente tem pela Terra, não é o ponto final, é apenas um ponto parágrafo. Não existe um ponto final, porque eu, como espiritualista, acredito na eternidade do espírito. Então, claro que tem saída porque nós estamos aqui pra caminhar e aprender e evoluir.
A escritora Cristina da Costa Pereira tem 56 anos. Carioca do bairro do Méier, graduada em Português e Literaturas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, lecionou durante dez anos. Além de professora, Cristina reúne em seu extenso curriculum, as profissões de produtora cultural e copidesque, entre outras.
Seu fôlego, parece incansável. Em entrevista exclusiva, Cristina relata sua vivência como mulher, militante cultural e escritora. Começou a escrever poemas na adolescência, ainda estudante, mas a retomada que lhe abriu as portas para a profissionalização, só aconteceu em 1984, quando escreveu o seu primeiro livro, “Povo Cigano”, publicado no ano seguinte.
Atualmente, a escritora tem nove títulos editados. Destacam-se os Ensaios: “Trilogia cigana”; “A Inspiração espiritual na criação artística”, finalista do Prêmio Jabuti, na Categoria Religião, em 2000 e “Povos de Rua”, edição cultuada no meio artístico e intelectual, principalmente, do Rio de Janeiro e da Bahia, cidades retratadas pela autora.
Cristina, nos revela seu processo criativo, sua relação intrínseca com a palavra. Para a artista, inspiração e vocação são sagradas no seu dicionário. Ainda acredita em coisas simples e raras, como o convívio entre os seres humanos.
Apaixonada pelo bairro de Santa Teresa, onde residiu por 30 anos, Cristina é uma mulher, meio menina, que se mistura, que se envolve, com o Rio, sua arte e sua gente.
Cláudia Ferrari (CF) – Cristina, qual a sua formação?
Cristina da Costa Pereira (CCP) – Sou graduada em Letras, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. E fui professora de Literatura durante dez anos, na rede estadual e em inúmeros colégios particulares do Rio e sou escritora.
CF – Como você começou a escrever?
CCP – A Literatura ajudou muito porque eu sempre escrevia poesias. Na época de estudante, o chamado “poema mimeógrafo”, já existia. Mas eu não comecei, estranhamente, pela poesia, isso ficou lá, na época de estudante. Eu comecei a escrever em 1984 , publiquei o meu primeiro livro, “Povo Cigano” que é um Ensaio sobre a etnia cigana, uma minoria étnica. Começou a me vir uma idéia de escrever um conto sobre a etnia cigana. Eu não sou descendente de ciganos, eu não teria nenhuma ligação afetiva, eu não conhecia... talvez, quando eu comecei a ter a idéia desse conto eu comecei a pesquisar sobre a cultura. Eu vi que não tinha nada no Brasil, uma literatura, uma bibliografia séria sobre o tema...
CF – Que ano foi esse?
CCP – Foi 1984. Publicado em 1985, meu livro.
CF – Ainda não tinha nenhum apelo da mídia com relação a essa etnia?
CCP – Foi anterior, porque só existia um livro no Brasil, “Os ciganos do Brasil”, de 1886, de Melo Moraes Filho. E nem era vendido em livraria, estava na Biblioteca Nacional. Foi o livro a que eu tive acesso, o resto eu tive que consultar a bibliografia de Portugal e da Espanha, as línguas onde eu conseguia ler.
Esse movimento a que você se refere já foi posterior, tanto que eu fui chamada pra ser assessora de uma novela chamada “Pedra sobre pedra” e meu livro já estava há um ano para ser editado e aí, já era o segundo livro, inclusive, já era o “Lendas e histórias ciganas”, já 1990. Terceiro livro, aliás, sobre ciganos, 1990. Aí a novela da Globo começou a me chamar pra dar uma assessoria para o “núcleo cigano”.
CF – Mas esse seu primeiro livro, ele já tinha uma editora ou você foi “produção independente” mesmo?
CCP – O primeiro, 1984, foi o único livro meu “edição do autor”.
CF – A sua relação com a mídia propiciou um impulso na sua carreira como escritora?
CCP – Bom, esse livro, talvez pelo ineditismo do tema no país, chamou a atenção.
CF – Quantos livros você tem ao todo publicados?
CCP – Publicados, nove livros.
CF – Qual o ritmo da sua produção literária?
CCP – O “Ainda é tempo de sonhos”, um livro infanto-juvenil, adotado pela rede pública de ensino, foi lançado em 1992, pela Imago. Depois disso, eu fiz um hiato na minha carreira até 1998, quando o bairro de Santa Teresa, onde eu morei de 70 a 2000, me inspirou pra eu fazer o meu primeiro livro de poesia, chamado “Revisitando o bairro de Santa Teresa e outros caminhos”. Depois, lancei outros livros de poesia, até chegar ao “A inspiração espiritual na criação artística”, em 1999, que foi finalista do Prêmio Jabuti, categoria “Religião”, e no ano 2003 eu lancei “Povos de rua”, que é um ensaio sobre a Lapa, Santa Teresa e Pelourinho, cuja musa é a rua. Então, minha Literatura, é essa aí.
CF– “Povos de rua” é um livro bastante divulgado, bastante difundido num meio artístico, intelectual, a que você atribui toda essa repercussão?
CCP - Ele é um livro cult, eu diria assim, a feitura estética, o tema é muito interessante, uma especulação sobre a rua, que não tem um viés acadêmico. O livro especula que quê é a rua e a partir daí, os segmentos que moram ou que usam a rua como fonte de inspiração. Você vê os mendigos, as prostitutas, os meninos de rua, os artistas que usam a rua como a sua fonte de inspiração. Os boêmios que estão ali na rua por outros motivos, não é isso? E também a umbanda com o seu segmento “povo de rua”. Então, o livro também tem uma coisa da religiosidade eminentemente brasileira. Então, é um livro de brasilidade, sem dúvida nenhuma, de cultura negra brasileira.
CF –Você sofreu algum preconceito pra conseguir as entrevistas para o livro, como é a sua relação com a rua?
CCP – Quem mora em Santa Teresa freqüenta um bocado as ruas de Santa Teresa e a Lapa tá logo ali. Eu tinha uma certa familiaridade com a rua. A rua não me assustava, a rua não me impressionava assim, de eu ficar observando e não me envolvendo. Eu não tinha assim, tanta dificuldade de contato não. Claro que o difícil foi eu escrever o livro. Porque todas as entrevistas, a maioria, foram feitas em bar, bebendo muita cerveja. Eu tinha que ir pra casa lembrar, escrever e tudo mais, à mão. Na Bahia, então, tudo se deu assim, não tinha gravador.
CF – Cristina, como alguém se torna um escritor?
CCP – Bom, eu acho que isso aí é uma coisa que vem com a pessoa, já tá impregnado no nosso espírito. Um escritor, veja bem, vocação, então vamos à etimologia da palavra: invocare vem do latim chamamento, vocação. Vocação vem de chamamento, chamamento interior que é a vocação. Eu acho que eu tenho a vocação como todo mundo, o artista plástico tem a vocação, o outro músico tem sua vocação, então você obedece a um chamamento. Eu obedeci a esse chamamento, de escrever, que não me garantia absolutamente nada, como hoje não garante absolutamente nada, nem do ponto de vista econômico, nem do ponto de vista de prestígio. Você simplesmente tem que obedecer a esse chamado interior e quando você se vê, você está escrevendo, envolvida com o tema tresloucadamente, que você não faz mais outra coisa da vida. Aquilo parece que toma, quer dizer, estou falando do meu processo. Porque eu só escrevo assim, quando alguma coisa... quando baixa o santo. Então, assim, vem aquele tema na minha cabeça e eu saio que nem uma louca atrás daquele tema. Até agora eu estou assim, digamos assim, sem nenhuma inspiração pra escrever mais alguma coisa por enquanto.
CF – Como é a sua relação interior com a palavra?
CCP –É claro que a Literatura, o conhecimento da Teoria Literária, dos estilos de época, os autores que eu li, que eu estudei e tudo o mais, é obvio que isso me ajudou na minha relação com a palavra, não tenha dúvida. Por outro lado, se isso tudo me ajuda, eu não deixo que me atrapalhe. Então, por exemplo, Teoria Literária me deu um instrumental pra conhecer, lidar com a palavra, lidar com as metáforas, no caso da Literatura também, mas eu não fico bitolada àquilo que eu aprendi da teoria. O meu processo é... o poema vem e eu depois vou cuidando daquilo, claro que o conhecimento ajuda por causa disso. Vou cuidando, arestando daqui, arestando dali, fazendo um trabalho com a palavra, depurando. Mas o que vem primeiro é aquela inspiração e escrevo quase que num fluxo, depois aí, pelo menos a maioria, principalmente dos poemas e também os livros são criados assim. A minha relação com a palavra é inspiracional, eu diria que é mais que isso, é devocional.
CF – Como uma mulher se torna mulher?
CCP – Olha, será? Eu acho que ainda sou criança (risos)... apesar dos 56, quase 57, eu acho que eu ainda não passo de uma adolescente. Eu não sei se... eu às vezes vejo, me flagro fazendo coisas de criança, fazendo coisas de adolescente com essa idade que eu tenho. Então eu não sei se já me tornei uma mulher.
CF – Em que você está concentrada nesse momento atual?
CCP – Eu sempre gostei de fazer coisas que levassem à reflexão, levassem ao debate e, no fundo, é pra resgatar esse convívio, que é essa palavra tão bonita mas que as pessoas perderam. A partir dos anos 90 eu comecei a idealizar e coordenar eventos culturais.
Atualmente, faço dois eventos, “Ciranda Literária”, em Santa Teresa, no Bar do Marcô e o “Conversas Casadas”, nas Casas Casadas, em Laranjeiras. São eventos que envolvem poesia, música, contos, crônicas e esquetes teatrais e pequenas palestras sobre temas interessantes.
CF – Como é a sua relação com o bairro de Santa Teresa?
CCP - Santa Teresa me deu esse convívio com essa diversidade cultural, foi o caldo cultural que me formou, afinal de contas, foi de 1970 a 2000. Quer dizer, foram 30 anos da minha existência, boa parte da minha juventude e maturidade foi estruturada aqui, convivendo com essa diversidade cultural e com esses artistas de várias modalidades. Eu tive a oportunidade de conviver com esses artistas, com esse ambiente de Santa Teresa, muito libertário, muito agradável, junta ao mesmo tempo a tradição e essa liberdade.
Santa Teresa tem toda uma, digamos assim, uma coisa de cidade do interior, apesar de também estar muito antenada com as linguagens novas, com a vanguarda, com a mistura da tradição e da vanguarda.
CF – A vida tem saída?
CCP – Eu sou uma pessoa espiritualista, eu acho que isso aqui, essa passagem que a gente tem pela Terra, não é o ponto final, é apenas um ponto parágrafo. Não existe um ponto final, porque eu, como espiritualista, acredito na eternidade do espírito. Então, claro que tem saída porque nós estamos aqui pra caminhar e aprender e evoluir.
quarta-feira, dezembro 20, 2006
COMPASSO
Angela Rô Rô e Ricardo MacCord
Tom: Gm
Gm
É o que pulsa o meu sangue quente
Cm Cm7
É o que faz meu animal ser gente
D7 Gm
É o meu compasso mais civilizado e controlado
Gm
Estou deixando o ar me respirar
Cm Cm7
Bebendo água pra lubrificar
D7
Mirando a mente em algo producente
Gm
Meu alvo é a paz!
Gm
Vou carregar de tudo vida afora
A
Marcas de amor, de luto e espora
D7 Gm
Deixo alegria e dor ao ir embora
Gm
Amo a vida a cada segundo
A D7
Pois para viver eu transformei meu mundo
Gm
Abro feliz o peito, é meu direito!
--------------------------------------------------------------------------------
segunda-feira, dezembro 18, 2006
Ausência
Carlos Drummond de Andrade
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
sábado, dezembro 16, 2006
sexta-feira, dezembro 15, 2006
Cruz na porta da tabacaria!
Álvaro de Campos
Cruz na porta da tabacaria!
Quem morreu? O próprio Alves? Dou
Ao diabo o bem-estar que trazia.
Desde ontem a cidade mudou.
Quem era? Ora, era quem eu via.
Todos os dias o via. Estou
Agora sem essa monotonia.
Desde ontem a cidade mudou.
Ele era o dono da tabacaria.
Um ponto de referência de quem sou
Eu passava ali de noite e de dia.
Desde ontem a cidade mudou.
Meu coração tem pouca alegria,
E isto diz que é morte aquilo onde estou.
Horror fechado da tabacaria!
Desde ontem a cidade mudou.
Mas ao menos a ele alguém o via,
Ele era fixo, eu, o que vou,
Se morrer, não falto, e ninguém diria.
Desde ontem a cidade mudou.
(14-10-1930)
quinta-feira, dezembro 14, 2006
Infinita preguiça
Naomi Conte
Acordei com a certeza de que Deus não existe, e dada a vacância da posição assumi de todo pronto o posto, porque o mundo, ou pelo menos a cidade onde moro, ou só a minha quadra mesmo, não sobreviveriam mais que poucas horas à esta ausência. Na cama ainda me encontrava quando pensei em fazer uma revolução, trocar mandantes por mandados, queimar shoppings, igrejas e carros importados, com raios e trovões vindos do céu, a justiça divina de uma mente atordoada de ressaca. Tão logo me veio à mente a visão final desse vazio, me veio à lembrança a “revolução dos bichos” e virei de lado. Talvez aproveitasse somente pra cuidar do eu, de mim, então pensei em comida, bebida, mulheres, conforto, porém fosse qual fosse o trivial gozo de corpo e alma prometido, teria que me levantar, lavar o rosto e dar prosseguimento à mandos e desmandos, virei de lado novamente, a cama quente, o quarto escuro, estirei o braço debaixo das cobertas, cutuquei Deus no ombro, e mandei-o reassumir o posto com urgência.
quarta-feira, dezembro 13, 2006
sexta-feira, dezembro 08, 2006
Testamento
Manuel Bandeira
O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros — perdi-os...
Tive amores — esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.
Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.
Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!...
Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.
Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!
Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!
(29 de janeiro de 1943)
Do livro "Antologia Poética - Manuel Bandeira", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 2001, pág. 126.
Pneumotórax
Manuel Bandeira
Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três . . . trinta e três . . . trinta e três . . .
— Respire.
— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
domingo, dezembro 03, 2006
lugar-comum
Cláudia F.
bastou arrancar plumas, pompas
pesadelos
pelos
pele
arquitetura de esqueletos
fazendo fogo
com o roçar dos ossos
bastou cravar no desalinho
o fio tênue e reto do compasso
delineou-se um outro tecido
cravado pela distância
o que se perde é o que não se é
Os cegos do castelo (fragmento)
Nando Reis
...A pé até encontrar
Um caminho, o lugar
Pro que eu sou...
Ó São Jorge,
meu Santo Guerreiro,
invencível na fé em Deus,
que trazeis em vosso rosto a esperança e confiança,
abrí meus caminhos.
Eu andarei vestido e armado com vossas armas
para que meus inimigos tendo pés não me alcancem,
tendo mãos não me peguem,
tendo olhos não me enxerguem
e nem pensamentos possam ter para me fazerem mal.
Armas de fogo o meu corpo não alcançarão,
facas e lanças se quebrarão sem ao meu corpo chegar,
cordas e correntes se arrebentarão sem o meu corpo amarrar.
Gloriorioso São Jorge,
em nome de Deus,
estendei vosso escudo e vossas poderosas armas,
defendendo-me com vossa força e grandeza.
sábado, dezembro 02, 2006
sexta-feira, dezembro 01, 2006
Olhos
Adélia Prado
A muda de olhos azuis que morava com as freiras
dava equilíbrio ao mundo
porque era muda e eu não.
Sobre cigarras sabe-se:
seus desespero cíclico é esperança.
Que vida estranha a minha,
me fingindo de pobre na abundância,
me fingindo de muda entre falantes,
imitando cigarra às escondidas,
as que quando morrem
viram fóssil de ar,
lâminas de cristal nos troncos
desidratadas de excessos.
Eu não sabia que era objeto de amor.
Provocações de outubro,
este desconforto na felicidade
de quem a vida toda renegou sua herança
pensando agradar a deus não sendo abrupta.
O sapato é tão novo,
ou são meus pés recriados que latejam?
como o grunhido da muda
a fala é bruta,
estou feliz e dói.
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