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sexta-feira, dezembro 22, 2006

CRISTINA DA COSTA PEREIRA

por Cláudia Ferrari


A escritora Cristina da Costa Pereira tem 56 anos. Carioca do bairro do Méier, graduada em Português e Literaturas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, lecionou durante dez anos. Além de professora, Cristina reúne em seu extenso curriculum, as profissões de produtora cultural e copidesque, entre outras.
Seu fôlego, parece incansável. Em entrevista exclusiva, Cristina relata sua vivência como mulher, militante cultural e escritora. Começou a escrever poemas na adolescência, ainda estudante, mas a retomada que lhe abriu as portas para a profissionalização, só aconteceu em 1984, quando escreveu o seu primeiro livro, “Povo Cigano”, publicado no ano seguinte.
Atualmente, a escritora tem nove títulos editados. Destacam-se os Ensaios: “Trilogia cigana”; “A Inspiração espiritual na criação artística”, finalista do Prêmio Jabuti, na Categoria Religião, em 2000 e “Povos de Rua”, edição cultuada no meio artístico e intelectual, principalmente, do Rio de Janeiro e da Bahia, cidades retratadas pela autora.
Cristina, nos revela seu processo criativo, sua relação intrínseca com a palavra. Para a artista, inspiração e vocação são sagradas no seu dicionário. Ainda acredita em coisas simples e raras, como o convívio entre os seres humanos.
Apaixonada pelo bairro de Santa Teresa, onde residiu por 30 anos, Cristina é uma mulher, meio menina, que se mistura, que se envolve, com o Rio, sua arte e sua gente.



Cláudia Ferrari (CF) – Cristina, qual a sua formação?
Cristina da Costa Pereira (CCP) – Sou graduada em Letras, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. E fui professora de Literatura durante dez anos, na rede estadual e em inúmeros colégios particulares do Rio e sou escritora.

CF – Como você começou a escrever?
CCP – A Literatura ajudou muito porque eu sempre escrevia poesias. Na época de estudante, o chamado “poema mimeógrafo”, já existia. Mas eu não comecei, estranhamente, pela poesia, isso ficou lá, na época de estudante. Eu comecei a escrever em 1984 , publiquei o meu primeiro livro, “Povo Cigano” que é um Ensaio sobre a etnia cigana, uma minoria étnica. Começou a me vir uma idéia de escrever um conto sobre a etnia cigana. Eu não sou descendente de ciganos, eu não teria nenhuma ligação afetiva, eu não conhecia... talvez, quando eu comecei a ter a idéia desse conto eu comecei a pesquisar sobre a cultura. Eu vi que não tinha nada no Brasil, uma literatura, uma bibliografia séria sobre o tema...

CF – Que ano foi esse?
CCP – Foi 1984. Publicado em 1985, meu livro.

CF – Ainda não tinha nenhum apelo da mídia com relação a essa etnia?
CCP – Foi anterior, porque só existia um livro no Brasil, “Os ciganos do Brasil”, de 1886, de Melo Moraes Filho. E nem era vendido em livraria, estava na Biblioteca Nacional. Foi o livro a que eu tive acesso, o resto eu tive que consultar a bibliografia de Portugal e da Espanha, as línguas onde eu conseguia ler.
Esse movimento a que você se refere já foi posterior, tanto que eu fui chamada pra ser assessora de uma novela chamada “Pedra sobre pedra” e meu livro já estava há um ano para ser editado e aí, já era o segundo livro, inclusive, já era o “Lendas e histórias ciganas”, já 1990. Terceiro livro, aliás, sobre ciganos, 1990. Aí a novela da Globo começou a me chamar pra dar uma assessoria para o “núcleo cigano”.

CF – Mas esse seu primeiro livro, ele já tinha uma editora ou você foi “produção independente” mesmo?
CCP – O primeiro, 1984, foi o único livro meu “edição do autor”.

CF – A sua relação com a mídia propiciou um impulso na sua carreira como escritora?
CCP – Bom, esse livro, talvez pelo ineditismo do tema no país, chamou a atenção.


CF – Quantos livros você tem ao todo publicados?

CCP – Publicados, nove livros.

CF – Qual o ritmo da sua produção literária?
CCP – O “Ainda é tempo de sonhos”, um livro infanto-juvenil, adotado pela rede pública de ensino, foi lançado em 1992, pela Imago. Depois disso, eu fiz um hiato na minha carreira até 1998, quando o bairro de Santa Teresa, onde eu morei de 70 a 2000, me inspirou pra eu fazer o meu primeiro livro de poesia, chamado “Revisitando o bairro de Santa Teresa e outros caminhos”. Depois, lancei outros livros de poesia, até chegar ao “A inspiração espiritual na criação artística”, em 1999, que foi finalista do Prêmio Jabuti, categoria “Religião”, e no ano 2003 eu lancei “Povos de rua”, que é um ensaio sobre a Lapa, Santa Teresa e Pelourinho, cuja musa é a rua. Então, minha Literatura, é essa aí.

CF– “Povos de rua” é um livro bastante divulgado, bastante difundido num meio artístico, intelectual, a que você atribui toda essa repercussão?
CCP - Ele é um livro cult, eu diria assim, a feitura estética, o tema é muito interessante, uma especulação sobre a rua, que não tem um viés acadêmico. O livro especula que quê é a rua e a partir daí, os segmentos que moram ou que usam a rua como fonte de inspiração. Você vê os mendigos, as prostitutas, os meninos de rua, os artistas que usam a rua como a sua fonte de inspiração. Os boêmios que estão ali na rua por outros motivos, não é isso? E também a umbanda com o seu segmento “povo de rua”. Então, o livro também tem uma coisa da religiosidade eminentemente brasileira. Então, é um livro de brasilidade, sem dúvida nenhuma, de cultura negra brasileira.

CF –Você sofreu algum preconceito pra conseguir as entrevistas para o livro, como é a sua relação com a rua?
CCP – Quem mora em Santa Teresa freqüenta um bocado as ruas de Santa Teresa e a Lapa tá logo ali. Eu tinha uma certa familiaridade com a rua. A rua não me assustava, a rua não me impressionava assim, de eu ficar observando e não me envolvendo. Eu não tinha assim, tanta dificuldade de contato não. Claro que o difícil foi eu escrever o livro. Porque todas as entrevistas, a maioria, foram feitas em bar, bebendo muita cerveja. Eu tinha que ir pra casa lembrar, escrever e tudo mais, à mão. Na Bahia, então, tudo se deu assim, não tinha gravador.

CF – Cristina, como alguém se torna um escritor?
CCP – Bom, eu acho que isso aí é uma coisa que vem com a pessoa, já tá impregnado no nosso espírito. Um escritor, veja bem, vocação, então vamos à etimologia da palavra: invocare vem do latim chamamento, vocação. Vocação vem de chamamento, chamamento interior que é a vocação. Eu acho que eu tenho a vocação como todo mundo, o artista plástico tem a vocação, o outro músico tem sua vocação, então você obedece a um chamamento. Eu obedeci a esse chamamento, de escrever, que não me garantia absolutamente nada, como hoje não garante absolutamente nada, nem do ponto de vista econômico, nem do ponto de vista de prestígio. Você simplesmente tem que obedecer a esse chamado interior e quando você se vê, você está escrevendo, envolvida com o tema tresloucadamente, que você não faz mais outra coisa da vida. Aquilo parece que toma, quer dizer, estou falando do meu processo. Porque eu só escrevo assim, quando alguma coisa... quando baixa o santo. Então, assim, vem aquele tema na minha cabeça e eu saio que nem uma louca atrás daquele tema. Até agora eu estou assim, digamos assim, sem nenhuma inspiração pra escrever mais alguma coisa por enquanto.

CF – Como é a sua relação interior com a palavra?
CCP –É claro que a Literatura, o conhecimento da Teoria Literária, dos estilos de época, os autores que eu li, que eu estudei e tudo o mais, é obvio que isso me ajudou na minha relação com a palavra, não tenha dúvida. Por outro lado, se isso tudo me ajuda, eu não deixo que me atrapalhe. Então, por exemplo, Teoria Literária me deu um instrumental pra conhecer, lidar com a palavra, lidar com as metáforas, no caso da Literatura também, mas eu não fico bitolada àquilo que eu aprendi da teoria. O meu processo é... o poema vem e eu depois vou cuidando daquilo, claro que o conhecimento ajuda por causa disso. Vou cuidando, arestando daqui, arestando dali, fazendo um trabalho com a palavra, depurando. Mas o que vem primeiro é aquela inspiração e escrevo quase que num fluxo, depois aí, pelo menos a maioria, principalmente dos poemas e também os livros são criados assim. A minha relação com a palavra é inspiracional, eu diria que é mais que isso, é devocional.

CF – Como uma mulher se torna mulher?
CCP – Olha, será? Eu acho que ainda sou criança (risos)... apesar dos 56, quase 57, eu acho que eu ainda não passo de uma adolescente. Eu não sei se... eu às vezes vejo, me flagro fazendo coisas de criança, fazendo coisas de adolescente com essa idade que eu tenho. Então eu não sei se já me tornei uma mulher.

CF – Em que você está concentrada nesse momento atual?
CCP – Eu sempre gostei de fazer coisas que levassem à reflexão, levassem ao debate e, no fundo, é pra resgatar esse convívio, que é essa palavra tão bonita mas que as pessoas perderam. A partir dos anos 90 eu comecei a idealizar e coordenar eventos culturais.
Atualmente, faço dois eventos, “Ciranda Literária”, em Santa Teresa, no Bar do Marcô e o “Conversas Casadas”, nas Casas Casadas, em Laranjeiras. São eventos que envolvem poesia, música, contos, crônicas e esquetes teatrais e pequenas palestras sobre temas interessantes.

CF – Como é a sua relação com o bairro de Santa Teresa?
CCP - Santa Teresa me deu esse convívio com essa diversidade cultural, foi o caldo cultural que me formou, afinal de contas, foi de 1970 a 2000. Quer dizer, foram 30 anos da minha existência, boa parte da minha juventude e maturidade foi estruturada aqui, convivendo com essa diversidade cultural e com esses artistas de várias modalidades. Eu tive a oportunidade de conviver com esses artistas, com esse ambiente de Santa Teresa, muito libertário, muito agradável, junta ao mesmo tempo a tradição e essa liberdade.
Santa Teresa tem toda uma, digamos assim, uma coisa de cidade do interior, apesar de também estar muito antenada com as linguagens novas, com a vanguarda, com a mistura da tradição e da vanguarda.


CF – A vida tem saída?
CCP – Eu sou uma pessoa espiritualista, eu acho que isso aqui, essa passagem que a gente tem pela Terra, não é o ponto final, é apenas um ponto parágrafo. Não existe um ponto final, porque eu, como espiritualista, acredito na eternidade do espírito. Então, claro que tem saída porque nós estamos aqui pra caminhar e aprender e evoluir.

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