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sábado, janeiro 20, 2007

RETRATO DO ARTISTA QUANDO COISA (do livro)


Manoel de Barros

Há um cio vegetal na voz do artista.
Ele vai ter que envesgar seu idioma ao ponto
de alcançar o murmúrio das águas nas folhas
das árvores.
Não terá mais o condão de refletir sobre as coisas.
Mas terá o condão de sê-las.
Não terá mais idéias: terá chuvas, tardes, ventos,
passarinhos...
Nos restos de comida onde as moscas governam
ele achará solidão.
Será arrancado de dentro dele pelas palavras
a torquês.
Sairá entorpecido de haver-se.
Sairá entorpecido e escuro.
Ver sambixuga entorpecida gorda pregada na
barriga do cavalo --
Vai o menino e fura de canivete a sambixuga:
Escorre sangue escuro do cavalo.
Palavra de um artista tem que escorrer
substantivo escuro dele.
Tem que chegar enferma de suas dores, de seus
limites, de suas derrotas.
Ele terá que envesgar seu idioma ao ponto de
enxergar no olho de uma garça os perfumes do
sol.

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