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domingo, fevereiro 04, 2007
AMÉLIA MUGE DÁ VOZ E MÚSICA À POESIA
"VOZ QUE CANTA COM AS SECRETAS FONTES DO CORPO"
Cristiano Pereira
"Não sou daqui, mas gosto d'aqui estar
de aprender no lugar do outro a m'encontrar
de poder um lugar achar, no estar aqui
desejar o lugar de todos neste lugar
e saber, no lugar d'aqui, o meu lugar".
São palavras destas que se ouvem em "Não sou daqui", novo disco de Amélia Muge e primeiro de uma trilogia que há-de ser completada num futuro breve.
A obra, gravada em três dias, acasala música com poemas de Sophia de Melo Breyner, António Ramos Rosa, Hélia Correia ou Eugénio Lisboa. Mas Amélia Muge também escreve sete letras.
O disco parte do um registo próximo do fado para ir desaguando em algo mais como a música tradicional de inspiração quase folclórica ou espécie de jazz - para além disso, por vezes um pouco assume um andamento quase pop.
Todas as composições são assinadas por Amélia Muge.
O piano é, provavelmente, o instrumento com maior protagonismo ao longo destas 13 faixas que se prolongam por quase 50 minutos. Mas não faltam apontamentos elegantes de violoncelo, flautas, contrabaixo, guitarras, um acordeão o, claro, percussão discreta. Trata-se de um disco equilibrado, sem momentos altos, é certo, mas também sem canções secantes. A cantora prepara-se, agora, para apresentar este repertório nos palcos, algo que acontecerá já dia 17 de Fevereiro na Culturgest, em Lisboa. Seguir-se-á, a 2 e 3 de Março, o Auditório do Centro de Artes Perfomativas do Algarve, em Faro, e, no dia 10 de Março, o Auditório Municipal na Ribeira Grande, na Ilha de São Miguel. No dia 24 de Junho, Amélia Muge actua na Cité de la Musique, em Paris.
O álbum apresenta-se como um objecto a fruir também com os olhos. No libreto não falta um conjunto de desenhos da autoria da própria cantora, um excerto de "As identidades asssassinas", de Amin Maalouf, um pequeno vídeo captado por telemóvel "interrogando o meio técnico utilizado e fazendo da sua fraqueza uma fonte da criação".
Só é pena que o registo seja acompanhado por demasiado paleio que tenta explicar tudo e mais alguma coisa, acabando por se tornar algo maçador e até pretensioso.
Ou seja A música e as letras falam por si e são escusadas estas tentativas de intelectualizar tudo em nome da "modernidade" ou "contemporaneidade".
Mas aplaudem-se a presença das palavras de António Ramos Rosa. Como um poema inspirado na cantora, do qual se cita "É uma voz que canta com as secretas fontes do corpo/ Com as pálpebras, com as pupilas, com os braços côncavos/ E é como se reunissem em voluptuosas braçadas/ as grandes flores do vento, as lentas anémonas do mar/ Essa voz tem a nudez sombria de um afectuoso felino/ e nasceu talvez da respiração quando dilatou o ventre/ para libertar os tumultuosos arcos/ que ela modela ao ritmo das sombras/ e das lâmpadas vegetais entre os seus flancos azuis".
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